CASO LUTH E SEU IMPACTO NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O Caso Lüth foi uma decisão histórica da Corte Constitucional Federal da Alemanha, proferida em 1958. Sua grande relevância reside no fato de ter estabelecido a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a aplicação desses direitos nas relações entre particulares, e não apenas nas relações entre o cidadão e o Estado.
O Contexto do Caso
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha buscava reconstruir sua democracia e lidar com seu passado nazista. Nesse cenário, o cineasta Veit Harlan, que havia sido um dos principais propagandistas do regime nazista com o filme antissemita "Jud Süß", tentou retomar sua carreira com um novo filme.
Erich Lüth, presidente de um clube de imprensa de Hamburgo e com forte sentimento antinazista, organizou um boicote público ao novo filme de Harlan. Ele fez um discurso incentivando distribuidores e donos de cinema a não exibirem a obra, argumentando que a reputação da cinematografia alemã não poderia ser restaurada por um colaborador do regime nazista.
O Conflito e a Decisão Judicial
Harlan entrou com uma ação judicial contra Lüth, alegando que o boicote era uma violação dos "bons costumes" previstos no Código Civil Alemão. As instâncias inferiores deram razão a Harlan, condenando Lüth a não mais se manifestar contra o filme.
Lüth, então, recorreu à Corte Constitucional, argumentando que a decisão violava seu direito fundamental à liberdade de expressão, garantido pela Constituição alemã.
A Corte Constitucional teve de decidir se um direito fundamental, tradicionalmente visto como uma defesa do cidadão contra o Estado, poderia ser usado para resolver um conflito entre dois cidadãos.
A Decisão da Corte e seu Legado
A Corte Constitucional Federal da Alemanha deu a vitória a Erich Lüth. A decisão foi inovadora e marcou um ponto de virada no direito constitucional. Os juízes argumentaram que a Constituição alemã estabelecia uma ordem de valores objetivos que permeava todo o ordenamento jurídico, incluindo as relações privadas.
Embora os direitos fundamentais não se apliquem diretamente entre particulares (eficácia indireta), o juiz deve interpretá-los à luz desses valores constitucionais, especialmente por meio de cláusulas gerais do direito civil, como a dos "bons costumes".
A decisão do Caso Lüth estabeleceu a teoria da "irradiação" dos direitos fundamentais, significando que esses direitos projetam seus valores e princípios em todo o sistema jurídico, influenciando a interpretação e a aplicação das leis em todas as esferas, inclusive nas relações entre pessoas físicas e jurídicas.
Em resumo, o Caso Lüth é um marco porque:
Aplicou direitos fundamentais em uma disputa entre particulares.
Consagrou a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Estabeleceu a "teoria da irradiação", segundo a qual os valores constitucionais devem influenciar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Essa decisão teve uma enorme influência em outros países, incluindo o Brasil, onde o tema da aplicação de direitos fundamentais nas relações privadas é amplamente debatido e reconhecido.
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Esse tema foi levado para o concurso público de Procurador do Estado do Pará de 2023, da seguinte forma:
"No julgamento do denominado caso Lüth, foi decidido que os direitos fundamentais consagram uma ordem objetiva de valores. Tal ordem retiraria a neutralidade axiológica do texto constitucional. Nele consta, ainda, a clara ideia de que, muito embora os direitos fundamentais tenham sua existência, em primeira linha, vinculada à proteção da esfera de liberdade privada de cada um contra intervenções do poder público, eles podem gerar efeito irradiador para as relações entre particulares."
Essa afirmativa foi considerada correta.
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